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Escrita Criativa

14.Outubro.2010

Produzir escrita:

"Saberás, pois, ó leitor, como nós outros fazemos o que te damos a ler?"(1)

A escrita é a arte de pôr numa folha em branco as ideias que nos povoam a mente.
A escrita é a arte de transpôr para o papel sentimentos, sensações, emoções, desejos, o eu, o pensar, o ser sem agir, mas pensando que se age se escreve e se produz escrita.

"Cuidas que vamos estudar a História, a natureza, os monumentos, as pinturas, os sepúlcros, os edifícios, as menórias da época? Não seja pateta, senhor leitor, nem cuide que nós o somos. (...) a coisa faz-se muito mais facilmente. Eu lhe explico:
Todo o drama e todo o romance precisa de:
Uma ou duas damas (mais ou menos ingénuas),
Um pai, (nobre ou ignóbil),
Dois ou três filhos de dezanove a trinta anos,
Um criado velho,
Um monstro, encarregado de fazer todas as maldades,
Vários tratantes, e algumas pessoas capazes para intermédios (e centros).
Ora bem, vai-se aos figurinos franceses de Dumas, Eug. Sue, de Vitor Hugo, e recorta a gente, de cada um deles, as figuras que precisa, (...) forma com elas os grupos e situações que lhe parece: não importa que sejam mais ou menos disparatadas. Depois vai-se às crónicas, tiram-se uns poucos nomes e palavrões velhos; com os nomes criam-se os figurões; com os palavrões iluminam-se... (...)
- E aqui está como fazemos a nossa literatura original."(1)

Era uma vez uma mulher.
Era uma vez uma mulher chamada Matilde.
Vivia numa vila. Paço de Arcos, sozinha. Era divorciada.
Tinha algo a resolver.
Era decidida.
Tinha 25 anos.
Tinha uma irmã. Chamava-se Maria da Luz. Tinha 16 anos. Vivia com o pai, em Lisboa.
A mãe vivia em Sintra.

A vida corria bem a Matilde. Percebia-se pela firmeza do seu olhar enquanto calcurreava as ruas da vila que estava bem ciente do seu destino. Estava decidida e nada nem ninguém a faria mudar de ideias. A noite ia alta quando tomou a decisão, mas teria de esperar pela manhã para a pôr em prática. Ao nascer do Sol, estava sentada na mesa da sala a tomar o seu café, banho tomado, blusa preta de alças e calça larga preta. Sandálias prateadas que davam algum brilho à indumentária simples. A manhã ainda estava fria quando saiu para a rua. O sol ainda não se tinha levantado do seu leito de noite mas ela queria chegar cedo ao seu destino. Talvez com mais medo de se arrepender do que de se atrasar. A verdade é que ninguém a esperava e a sensação de que algo parecia não ir correr bem atormentava-a a cada passo que dava pela calçada, mas não iria desistir, não desta vez.

Bibliografia:
(1) - GARRETT, Almeida, Viagens na minha Terra, Lisboa;

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17.Outubro.2010

Aquele café sabia-lhe tremendamente mal. Mas o hábito de entrar ali, sentar-se e pedir uma bica, faziam-no agir mecanicamente. Só se lembrava que devia procurar outro sítio para começar as manhãs já depois de ter metido a chávena à boca e sentir o aroma forte de café queimado. Desta vez deixou metade na chávena. Folheou o jornal para ler apenas os cabeçalhos e tomou algumas notas acerca do que se dizia sobre a política nacional. Aquela era a sua forma de começar a criar o artigo que sairia no sábado na revista para a qual escrevia. Anotava algumas ideias diariamente e, na véspera de enviar o artigo, compilava tudo fazendo os seus comentários pessoais e enviava para o seu editor. Normalmente, noite dentro, recebia a resposta ao seu trabalho e era a partir dessas críticas que reescrevia tudo e voltava a enviar. Definitivo.
Mas não desta vez. Na última semana tinha sentido dificuldade em encontrar um tema interessante para tratar. Queria uma notícia que não parecesse rebuscada, mas no entanto recusava-se a escrever acerca do assunto do momento: a crise. À duas semanas que aquele era o tema central de todos os jornais, na televisão os comentadores apenas falavam sobre isso e desde à uns dias para cá que os jornais abriam sempre com o mesmo assunto. Aquilo já não era notícia. Era um dado adquirido. Desta vez ele queria enveredar por novos caminhos, sair da rotina. Dar aos seus leitores algo para ler, que não fosse entediante nem que os levasse logo a fechar a revista com um suspiro de tristeza. Queria, pelo menos este fim-de-semana, alegrar alguém e, não pelo contrário, aumentar as estatísticas da depressão em Portugal. Mas por este andar ele é que iria precisar de medicação contra a depressão e, não faltava muito.

Pousou o jornal, pagou a bica e saiu. Puxou de um cigarro e pensou tal como fazia sempre que iria deixar de fumar. Depois abanou a cabeça certo de que aquela ideia era absurda nesta altura da sua vida e que não era o momento ideal.

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30.Janeiro.2011

Cruzamo-nos com pessoas cuja história de vida se confunde com a história que passa, com o passado que viveram e que agoram contam de lágrima no canto do olhar vago. Um olhar que denúncia o medo do abandono, o medo de envelhecer só, ou mesmo que com muita gente em redor se sentirem sós no mundo. À minha frente, vai Isaura. Mãos dadas nas minhas. Recorda a sua vida e, pelo meio, agradece-me estar a ouvi-la. Diz que gosta de conversar comigo. Pouco vou acrescentando, apenas a oiço tão atentamente que seria agora capaz de descrever as suas palavras com se lesse um livro.
Chegando ao Hospital, agradece-me novamente o tê-la escutado. Diz que me pareço com a sua neta e deseja-me muita sorte. Fiquei feliz por ter tido a sorte de conhecer aquela senhora. Muiats vezes, no bulício do dia-a-dia, não reparamos nestas pessoas, nem na simlicidade das suas necessidades. Às vezes, basta um olhar, dar a mão e escutar e as dores vão-se atenuando. Às vezes, evitava-se levar estas pessoas ao Hospital se, porventura, tivéssemos tempo para as escutar e fazer companhia.

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07.Fevereiro.2011

A pobreza por imensas vezes leva à criação de uma redoma estigmática que afasta as pessoas do mundo, dos valores, da sociedade. Naquele bairro, as paredes são de tijolo, casas nunca acabadas que albergam gente de todas as raças e credos, mas com a pobreza em comum. Filipe caiu. A pobreza de espírito de quem com ele vivia, apenas a levou a cobri-lo com uma manta. Passou a noite no chão de cimento, gelado, numa noite de inverno e numa casa sem isolamento, num prédio inacabado, sujo e escuro. De manhã, quando as senhoras do apoio chegaram para o virem buscar para o Centro de Dia, encontraram o corpo inerte no chão, onde jazia numa quase morta despertada com um banho quente e com o carinho das mãos sábias destas duas mulheres que lhe trocaram a roupa molhada e o aqueceram. As suas mãos, trouxeram-no à vida e deram-lhe uma nova oportunidade de reagir. Permitiram-lhe ser socorrido e deram-lhe a hipótese de talvez, quem sabe, mudar de vida. Ganhar um novo teto, porventura. Se o país funcionar e os serviços sociais fizerem o seu trabalho, aquela noite não terá sido em vão e Filipe ganhará uma nova esperança. Quem sabe?

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20.Março.2011

Cada dia é mais um de uma vida sem sentido. Criam-se expetativas e mudam-se rumos. Mas tudo fica igual ao que era no dia antes. Tudo passa sem mudar. Cresce o vazio enquanto se esvaiem em nada os sonhos...
Sonhar.
Quem pode querer ainda sonhar se se pontapeiam pedras e de baixo delas nada sai além de pó? Quem pode esperar que o futuro se torne risonho, se hoje é igual a ontem e amanhã ainda será pior? Quem pode ter esperança na mudança se os dias se confundem e ninguém acredita em nós? Quem acreditará ainda em sonhos, no fazer de uma vida, se não há esperança de que amanhã seja um dia melhor?
Resta esperar.

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04.Abril.2011

Observo da serra o azul do mar, enquanto serpenteio com o carro até chegar à vila. O cheiro da maré é mais forte lá de onde eu venho, onde as águas do rio são mais paradas mas aqui o cheiro é diferente. Mais fresco.
A mente escapa para o passado, para aqueles dias em que de manhã saía do autocarro, junto com as mulheres da praça que levavam as cestas cheias para venderem. O frio tocava-me os braços e eu encolhia-me, esfregando-os com as mãos para os aquecer. Algum tempo depois, já quase corria pelas ruas ansiosa por chegar à areia e pôr os pés descalços na sua humidade matinal. O frio passava. O sol subiria em breve, até lá sabia que tinha de me aquecer enrolando-me na toalha ou num casaco.
Aquelas manhãs eram a liberdade pura. Ficava tantas vezes responsável por mim e pela minha irmã, mas sabia que lá do alto alguém me olhava e me estava a vigiar. Sabia sempre quando eu saía da praia e eu sabia a que horas devia arrumar as coisas, vestir-me e subir a encosta em passo acelerado para ir almoçar. Oh! Voltem, voltem, dias de liberdade. Voltem pois quero aproveitá-los todos. Cada minuto que na altura deixei passar! Voltem os grãos de areia entre os dedos, o frio da manhã e os casacos de malha...

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21.Junho.2011

Não sei se algum dia ela pensou que aquela casa iria estar cheia como hoje. Estavam todos reunidos à mesa, que já há muito tempo deixara de fazer parte da sala e fora transferida para o quintal onde o espaço permitia um melhor convivio de todos. Quando fora para ali morar viera sozinha. Para trás deixara outra vida de que não gostava de se lembrar.
Agora a casa estava sempre cheia de gente. As paredes cheias de fotografias, desenhos dos mais novos  e recordações que ela guardava com carinho. Na sala, dois sofás grandes tomavam o lugar onde outrora ficava a mesa. Um sofá mais pequeno, perto da janela, cheio de roupa acabada de passar por Nena, a mais nova das suas filhas. No quarto grande, o seu, além da cama de casal havia um roupeiro de parede a parede. Ao canto o berço do caçula da família. Petra ficava com o neto mais novo sempre que a filha tinha de fazer o turno da noite no hospital. Por isso, aquele era o quarto dele também. Ali tinha o seu espaço de brincar, o muda-fraldas, o carrinho...
No outro quarto ficavam as outras meninas. A pequena Ana, 9 anos, Diana, 10 anos e Maria, 12 anos. E os rapazes, se lá ficavam dormiam na sala. Pedro, 22 anos, já tinha a sua própria casa. Hoje estava lá também com os seus dois rebentos: Lucas e Diogo, gémeos, 4 anos. Matias ainda só tinha 15 anos. A mesa era pequena para todos, por isso as crianças já tinham jantado e brincavam agora pelo quintal.

Petra gostava de ter a casa cheia. Não eram todos seus filhos de verdade, mas ela gostava de pensar que sim e bolas! Tinha-os sempre tratado como tal, por isso...
A tarde era de verão, mas com o cair da noite o fresco começava a fazer-se sentir. Nena vai buscar o casaco para o filho. Não tarda terá de ir trabalhar, mas sabe que o pequeno ficará bem em casa da avó. Apesar de muito nova, veste toda de negro, chorando ainda a perda do marido. Na verdade, Petra era mãe de Tobias, mas quando este morreu e Nena se viu com um bebé nos braços, largou tudo e procurou consolo na casa da sogra que a adotou como filha. A casa cheia e o barulho faziam-na sentir-se bem, mais protegida de tudo, numa grande família que a acolheu. Para Petra, a perda do filho havia sido irreparável, mas a chegada do neto animava-lhe sempre as noites. As fotografias tiradas ainda em Angola, deixavam vê-lo ainda criança, calção branco e camisa azul e branca de marinheiro.
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01.Setembro.2011

E fora nesse primeiro dia em que se sentara na cadeira de madeira que a sua vida mudara para sempre. A sala cheirava a lápis acabados de afiar e a livros novos. Ao seu lado, estava uma rapariga morena de olhos verdes quase transparentes. Sentia uma mistura de medo miudinho e de paixão por tudo o que se passava à sua volta. O homem ali parado na sua frente era mau. Era grande e forte mas ela não tinha medo dele, sabia que devia ter, mas não tinha. Absorvia cada palavra e cada frase, decorando a lição e escrevendo mentalmente todas aquelas palavras com que lhe povoavam o dia. Aprendia a cada minuto que sabia muitas daquelas coisas que ele falava. O que estava ali a fazer não sabia. Um dia talvez fosse ali para aprender. A ler? Já sabia. A contar? Já somava, diminuia, escrevia corretamente e via as horas no relógio da parede. 

Se era assim o primeiro dia de aulas, aquele friozinho na barriga enquanto mentalmente recordava o jantar do dia anterior, o entusiasmo, da mãe, do pai, dos avós, como seria a partir dali? Interessar-se-ia pelo que ali iria acontecer?

Um dia, como agora, recordaria o primeiro sentimento de medo, a tomada de consciência de que dela se esperava perfeição, sapiência e sobretudo, devoção. Um dia, numa altura como agora, tão diferente daquele primeiro encontro com uma sala cheia de meninos e meninas como ela, ranho no nariz, sardas e olhos castanho-vivos e verde-transparente, ela estaria de pé, em frente de uma turma de alunos. Não alunos. Crianças. Pequenas e ranhosas como ela foi um dia. Olhar vivaz e ao mesmo tempo, receoso. Uns a saber muito, outros sem saber sequer o que deles se espera. E ela ali. Absorvendo a cada momento, cada uma das palavras daquelas boquinhas infantis e inocentes, aqueles olhares que, sem saber, a enchiam com o receio de não ser capaz de lhes dar tudo o que esperavam vir a receber.

E atrás de cada um desses meninos e meninas, os pais. Que tal como ela também foram crianças no seu primeiro dia de aulas, mas que ali naquele momento, se mostram com uma atitude diferente. Atenção que este é o meu filho. Veja lá o que lhe faz e como o trata. Assim falam os olhos dos pais. Será que vou ser capaz? Assim falam as mãos que tremem da professora.

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14.Setembro.2011

Uma a uma, soletram os seus nomes. Depois escrevem-nos com um marcador grosso num pedaço de cartão. Dobram-no. Colocam-no sobre a secretária. Por baixo do tampo que se pode levantar, estão os livros. No ano passado, estiveram ali nas mesmas secretárias e algumas até lhes custava chegar com os pés ao chão. As cadeiras velhas deixam nas meias malhas que não serão concertadas. Falam do que fizeram no verão, da visita aos avós, do cão, do gato, das amigas que fizeram na praia. Falam livremente sem o medo que tinham no ano anterior. Aquele é o seu segundo primeiro dia de aulas. A escola não é novidade. Sabem que vão trabalhar. Hoje é dia de conversar. As mães já ficaram à porta e não se sentaram no fundo da sala. A sala está mais bonita este ano. Tem nas paredes a vida que elas lhe deixaram no ano anterior. As primeiras letras que desenharam, os primeiros números... alguns desenhos. Este ano, vão surgir novos desenhos. As letras vão ser substituidas por palavras, frases, textos. Os números vão crescer, crescer, crescer! Como elas cresceram, dois tamanhos na roupa, dois números nos sapatos, um ano na idade. E ela também, a professora, está agora muito mais calma. As crianças são as mesmas. Nenhuma ficou pelo caminho. Uma a uma olha os seus rostos, os olhos castanho-vivos do Alexandre, as sardas da Rita, o olhar verde-transparente da Filipa. As crianças são as mesmas, mas diferentes. Mais crescidas. Mais senhoritas. Mais homenzinhos!

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